Luta pela Terra
Concentração de terras
A concentração de terras no Brasil relaciona-se ao processo histórico de colonização. Para compreender esse processo basta lembrar a divisão territorial do país em 1530 em 14 Capitanias Hereditárias.
O processo de concentração continua sua estruturação com a Lei de terras de 1850 que reorganiza o mercado imobiliário ao substituir o sistema de sesmaria e estabelecer a propriedade privada da terra. A Lei de terras foi aprovada no mesmo ano em que foi abolido o tráfico negreiro para o Brasil. Nesse período observa-se também o crescimento da entrada de imigrantes no país.
Com o acesso a terra passando a acorrer mediante compra, os novos colonos e escravos libertos deveriam acessar a terra mediante pagamento ou se contentar a trabalhar como colono nas fazendas de café.
De acordo com José de S. Martins do livro “O cativeiro da terra” de 1979, antes da Lei de terras de 1850 o negro e o indígena eram cativos (sem liberdade) e a terra era livre, distribuída na forma de sesmaria para o homem branco descendente de portugueses. Posteriormente com a aprovação Lei de terras e a entrada de colonos, o homem começa a torna-se livre com o progressivo assalariamento e abolição da escravidão, em 1888, mas a terra torna-se cativa pois o seu acesso passa a ser condicionado ao pagamento pela propriedade.
“A constituição jurídica da propriedade privada da terra, a sua transformação monopólio e patrimônio, efetivou-se a partir da promulgação da Lei de Terras e das suas regulamentações a partir de 1850, especialmente a Lei n. 1237/1864, que reformou a lei de hipotecas e regulamentou a sociedade de crédito” (ALVAREZ, 2015, p. 67). In. ALVARES, Isabel Pinto. A produção e reprodução da cidade como negócio e segregação. In. A cidade como negócio . São Paulo: Contexto, 20 15
Ainda sobre a concentração de terras no Brasil, o gráfico abaixo revela que os imóveis rurais com mais de 1000 hectares representam apenas 09% das propriedades, no entanto, estes imóveis correspondem a 45% da área ocupada.
Tabela da Estrutura Fundiária no Brasil*
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário de 2006
Observação:
1 Hectare (ha) = 10.000 m² ou 100 m de comprimento por 100 de largura
Diferentemente de outros países, a exemplo dos EUA, China, Rússia e Japão, o Brasil não chegou a ter uma Reforma Agrária.
A Reforma Agrária dos EUA foi posta em prática com a lei de 1862, o Homestead Act, no governo de Abraão Lincoln. Tal período ficou conhecido como corrida para o oeste. A maior distribuição de terras neste período reduziu a oferta de mão de obra e forçou a nascente indústria estadunidense a pagar melhores salários e a ser baseada na inovação como forma de compensar a reduzida oferta de trabalho.
"O Homestead Act, promulgado durante a Guerra Civil em 1862, previa que qualquer cidadão adulto, ou cidadão pretendido, que nunca tivesse portado armas contra o governo dos EUA pudesse reivindicar 160 acres de terras governamentais pesquisadas. Os requerentes eram obrigados a viver e “melhorar” o seu terreno cultivando a terra. Após cinco anos no terreno, o depositante original tinha direito à propriedade, livre e desimpedida, exceto por uma pequena taxa de registro. O título também poderia ser adquirido após apenas seis meses de residência e melhorias triviais, desde que o requerente pagasse ao governo US$ 1,25 por acre. Após a Guerra Civil, os soldados da União puderam deduzir o tempo que serviram dos requisitos de residência". Fonte: https://www.archives.gov/milestone-documents/homestead-act#:~:text=The%20Homestead%20Act%2C%20enacted%20during,plot%20by%20cultivating%20the%20land.
Precursores da luta no campo
- Luta dos indígenas
- Quilombos
- Canudos (Bahia 1896-1897).
- Contestado (Paraná e Santa Catarina 1912-1916).
Conflitos modernos no campo brasileiro
Ligas Camponesas.
Movimento de luta contra o foro (valor do arrendamento da terra), tem início em Pernambuco nos anos 1940. Esse movimento recebeu apoio do PCB (Partido Comunista Brasileiro), sua desarticulação ocorre após o golpe militar de 1964.
Francisco Julião – importante liderança das Ligas Camponesas
O principal líder deste movimento foi o advogado Francisco Julião. Veja a seguir sua fala de Julião sobre a origem das Ligas camponesas:
“Não fundei a Liga - ela foi fundada por um grupo de camponeses que a levou a mim para que desse ajuda. A primeira Liga foi a da Galileia, fundada a 1º de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco. Foi um grupo de camponeses com uma certa experiência política, que já tinha militado em partidos, de uma certa cabeça, que fundou o negócio, mas faltava um advogado e eu era conhecido na região. Foi uma comissão à minha casa, me apresentou os estatutos e disse: 'existe uma associação e queríamos que você aceitasse ser o nosso advogado'. Aceitei imediatamente. Por isso o negócio veio bater na minha mão. Coincidiu que eu acabara de ser eleito deputado estadual pelo Partido Socialista e na tribuna política me tornei importante como defensor dos camponeses”
Modernização conservadora! (1964-1985)
Com a deposição do presidente João Goulart, tem início uma fase de ditadura no país, marcada pela repressão. A perseguição, os assassinatos e a desarticulação dos movimentos de luta pela terra, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), as Ligas Camponesas e a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), que era organizada pelo PCB, foram algumas das ações desse período. Entre os assassinados cometidos nessa fase destaca-se o de João Pedro Teixeira, líder da liga Camponesa de Sapé - PB.
Elizabete Teixeira, viúva de João Pedro, líder da Liga Camponesa de Sapé - PB
Observação:
Com a aprovação do ETR (Estatuto do Trabalhador Rural), em 1963, inicia-se um processo de regulamentação dos sindicatos e a equiparação dos direitos dos trabalhadores rurais com os dos trabalhadores urbanos. Nesse contexto, Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, atuava no sentido de garantir o cumprimento dos direitos previstos no ETR. A crescente repressão dificultou a luta por direitos trabalhistas no campo. No entanto, no final dos anos 1980, essa luta foi retomada, com destaque para a líder sindical Margarida Alves, de Alagoa Grande - PB. Cabe ressaltar que Margarida foi assassinada em 1983, a mando de latifundiários
Segundo Maria do Rosário (PT-RS), “Margarida Alves defendeu direitos básicos, como carteira assinada, jornada de oito horas, férias e 13º”. Fonte: Agência Câmara de Notícias.
Margarida Alves, líder sindical de Alagoa Grande - PB. Foi assassinada em 1983 a mando de latifundiários.
Nos anos 1980, em um contexto de redemocratização do país, observa-se a retomada da luta pela terra. Sobressai nesse período a fundação do MST (Movimento dos Sem-Terra) em Cascavel - PR. Em oposição ao MST destaca-se a criação da UDR (União Democrática Ruralista), associação que possui forte apoio no Congresso Brasileiro de parlamentares que defendem o setor ruralista.
Cabe destacar que a Constituição Federal - CF de 1988 prevê a Reforma Agrária em terras improdutivas. A desapropriação deve ocorrer mediante pagamento [indenização] via títulos da dívida agrária. Veja a seguir os artigos 184 e 185 da CF-1988 que tratam do tema.
"Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. [...]
Art. 185. São insuscetíveis [não pode ocorrer] de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social".