Ecologia e política
Ecologia e política
Por Herodes Cavalcanti – nov. 2019
A crescente interferência humana através da técnica sobre a natureza e a posterior substituição de uma natureza primeira por uma segunda natureza caracteriza o desenvolvimento do capitalismo desde a I Revolução Industrial. Em vista disso, procuramos destacar que a pretensa ideia de progresso que marca o domínio do homem sobre a natureza é caracterizada pela intensa degradação do meio ambiente.
O presente texto encontra-se dividido em duas partes, na primeira destacamos na escala global o impacto da interferência do ser humano sobre a natureza e a emergência de uma consciência ecológica. Na segunda, realizamos o mesmo procedimento na escala nacional ao frisar impactos sobre o meio ambiente provenientes do desenvolvimento econômico brasileiro desde os anos 1950.
A interferência do homem no meio
ambiente ganha força com a I Revolução Industrial no século XVIII, período
marcado por intensa saída do campo para a cidade e por uma forma de
desenvolvimento cuja pressão do homem sobre a natureza torna-se mais intensa e
extensa. O aumento da poluição atmosférica decorrente da queima do carvão
mineral, a destruição do solo decorrente de projetos de mineração, a poluição
dos rios em decorrência de rejeitos, dentre outros fatores que indicam um forte
impacto do processo de industrialização sobre a natureza. Tal processo de
degradação é acelerado com a II Revolução Industrial cujo petróleo passa a ser
a principal fonte de energia.
No pós-guerra, segundo Santos (2002) temos a emergência de um atual período técnico científico informacional caracterizado pelo avanço dos meios de transportes e da informática. Com essas mudanças as trocas comerciais são ampliadas e o mundo torna-se mais conectado. O consumismo de produtos diferenciados produzidos em escala radicaliza a sobreposição do valor de troca sobre o de uso. Com a expansão do consumo aumenta a produção do lixo e os efeitos da pressão do homem sobre a natureza tornam-se mais patente.
Nesse cenário a interferência do homem sobre o meio ambiente passa a chamar a atenção da sociedade devido o ativismo de grupos ecologistas que já nos anos 1960 alertam contra os efeitos da produção e do consumo sobre o meio ambiente (MENDONÇA, 1996).
A conferência do meio ambiente de
1972, em Estocolmo na Suécia, é um marco do crescimento dessa discussão. Nela
observa-se um confronto entre países desenvolvidos e emergentes. Estes últimos
chamavam a atenção que embarcar na proposta de redução da poluição ambiental
implicaria em queimar menos energia e consequentemente reduzir a expansão
econômica. Tal discurso, questionava o eurocentrismo das propostas dos países
desenvolvidos que já haviam avançado no desenvolvimento econômico pressionando
fortemente a natureza.
No Brasil devido sua vasta extensão territorial e ocupação concentrada no litoral, a preocupação ambiental vai emergir como resultado do impacto recente da interiorização da ocupação, expansão da agropecuária, da indústria da madeira, da abertura de estradas e da migração do campo para a cidade. Esse processo é visível no contexto desenvolvimento do processo de industrialização do país a partir dos anos 1950 durante o governo Juscelino Kubitschek. Com o Plano de Metas deste governo ocorre a expansão das rodovias e da indústria automobilística a partir do grupo Executivo da Indústria Automobilística – GEIA. Este grupo favoreceu a entrada de empresas multinacionais de automóveis (GM, Ford, Volkswagen e Fiat).
O desenvolvimento da indústria de automóveis, a partir da valorização do transporte individual é acompanhado do subaproveitamento das ferrovias e hidrovias para o transporte de cargas e passageiros. Além disso, a opção de priorizar com exclusividade o modal rodoviário ocorreu sem pensar nos seus custos ambientais.
Durante o governo militar (1964-1985), a pressão sobre o meio ambiente pode ser observada nos grandes projetos estatais de desenvolvimento. A construção da hidrelétrica de Itaipu, o desenvolvimento do polo petroquímico de Camaçari, a implantação do Proálcool e a construção das usinas nucleares de Angra I e II fazem parte desse processo. Soma-se a isso, a criação da Zona Franca de Manaus e a realização de grandes obras: Ponte Rio-Niterói e Transamazônica. Os projetos de estímulo a ocupação do centro oeste e norte do país via expansão da fronteira agrícola através de colonos sulistas também fazem parte desse processo.
Nesse cenário de modernização conservadora, a natureza ainda era vista como um entrave para o desenvolvimento. Em vista disso, a ação estatal gerou fortes impactos ambientais e sociais. O desmatamento de parte da Amazônia pela rodovia Transamazônica, obra inconclusa. O alagamento de florestas para construção de barragens gerando impacto para biodiversidade e para população local desabrigada. A pressão sobre os povos originários com o avanço da pecuária e da agricultura a partir dos projetos de colonização em Rondônia, inaugura uma nova rodada de genocídio e etnocídio. Justifica essa afirmação, o adoecimento e morte de indígenas pelo contato com o homem branco e a perda do modo de vida dos grupos expulsos de suas terras.
No Brasil, a preocupação com o meio ambiente ganha atenção da sociedade após a redemocratização do país durante a Eco 92, entretanto sem receber a devida atenção da mídia, a preocupação com o meio ambiente já era expressiva desde meados dos anos 1970. Chico Mendes destaca-se nesse período como liderança dos povos da floresta: seringueiros, índios e pequenos trabalhadores rurais do Acre que estavam ameaçados pelas queimadas, grilagem de terras e avanço da pecuária.
Durante a Eco 92 torna-se pauta de uma discussão a preocupação com o desenvolvimento sustentável (justiça social, diversidade cultural e biodiversidade. É nessa conferência que foi organizada a Convenção sobre Mudanças Climáticas (1994) que levou a assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997. O protocolo prevê redução dos poluentes pelos países desenvolvidos em 5,2% até 2012, prazo que após expirado foi estendido até 2022. Essa recente preocupação ambiental é realinhada na escala global com o Acordo de Paris. Assinado em 2016 por mais de 190 países, o acordo prevê um conjunto de medidas para segurar o aquecimento global em até 2° C.
Em suma, abrindo espaço para interações mais equilibradas com a natureza, a ação humana pode reduzir os processos de degradação ambiental no lugar de intensificá-los. Tal constatação nos impele a refletir sobre como devemos proceder nessa interferência. Assim, cabe pensar se a intervenção deve contribuir para o desenvolvimento social e econômico, com reduzido estresse sobre o meio ambiente ou se a intervenção realizada deve ser pautada exclusivamente na competitividade e no lucro, negando seu custo social e ambiental.
Bibliografia
MENDONÇA,
Francisco. Geografia Física. Ciência Humana. Dialética e geografia física,
estudo da natureza e da sociedade afinal, o que é geografia. São Paulo:
Contexto, 1996.
SANTOS,
Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo:
Edusp, 2002.
LEFF,
Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira. 2006.